domingo, 11 de outubro de 2009

Bailando conforme a música

Como já dizia o ditado: “Não to saindo caçar, mas se achar algum bicho morto, trago pra casa”. É assim que nos encontramos, não só no amor, mas em muitas ocasiões da nossa vida. Relembrando, através de fatos vividos, a história do meu folclórico tio Lili, que ganhou a vida entre o bolicho, os trambiques e a doma – e lida – com cavalos.
Um belo dia, depois de um longo tempo sem o ver, estávamos reunidos ao redor da churrasqueira, tomando uma cerveja gelada, uma cachaça com alecrim, bem acompanhados de nacos da mais pura lingüiça campeira, quando ele iniciou a narrativa, como já era de praxe, de mais uma das suas peripécias campesinas. De início, contou que um “amigo” seu, confiou a ele a guarda de um cavalo, cabendo à sua pessoa, largar o animal em seus pastos, alimenta-lo e, por vezes, montá-lo, para manter o cavalo sempre “na ponta dos cascos’. Vale citar que se tratava de um cavalo vistoso, de fazer inveja a qualquer puro-sangue inglês, e, por azar do proprietário, caiu na mão de um dos mais “lisos” indivíduos do pampa gaúcho. Como ele mesmo se define não é um trambiqueiro, mas apenas alguém que não deixa escapar oportunidades, ou seja, um oportunista. Praticamente um Romário dos briques. Ou seja, sabe o que faz e, por mais que faça, sempre consegue dar a rasteira em algum incauto. Bueno, o incauto da vez, novo na cidade, incumbiu meu tio de cuidar do seu animal, muito embora, não soubesse a roubada que estava se metendo. Meu tio, muito esperto que é, disse que não cobraria nada pela estada, que faria na “faixa”, e o pobre diabo, inocentemente, aceitou. Quando chegou o eqüino, reservou a melhor cocheira e, como se fosse seu filho, tratou do bicho com o maior carinho. Passou o tempo e o dono do animal, aos poucos, foi esquecendo da sua presença, delegando a responsabilidade e o cuidado do animal ao dedicado – e não tão bem intencionado – estancieiro. Ao transcorrer dos dias, meu tio, que de bobo não tem nem a cara, notou o que se passava e, diante do fato, passou a levar o animal pra passear. Para quem não sabe, quando se leva um cavalo bonito pra passear, com preparos prateados e tudo mais que tem direito, invariavelmente aparecem compradores e, dessa vez, não deu outra. Em uma semana já haviam diversas propostas e, em mais uma semana, o martelo foi batido, sendo o cavalo entregue ao seu novo e feliz proprietário. Algum tempo depois, o proprietário original foi, feliz, ao encontro do seu tão amado bicho, quando, surpreso, constatou que ele não se encontrava mais aos cuidados do meu tio. Nesse passo, foi procura-lo, quando, por surpresa, meu parente, alisando o bigode, começou a entesar que nem seminarista no sábado, enrolando o cidadão e dizendo que, em virtude do lapso temporal em que o bicho ficou olvidado, pensou que não lhe interessava mais tal propriedade animal e, sem pestanejar, torrou nos pilas, ficando o valor da venda como ressarcimento pela estada. Então, abasbacado, o pobre inocente afirmou que a combinação pela morada do bicho nos seus pagos seria de graça e, se fosse o caso, ele pagaria o prejuízo. Mas pediu que, por favor, desfizesse o negócio. Meu tio, esperto, disse que gozava de grande prestígio e confiança pelas bandas do Planalto Médio – o que era uma mentira deslavada – e, jamais, um negócio que concretizara, seria desfeito. Porém, o que, nesse lastro, meu tio retrucou acerca do cavalo, merece transcrição literal, se tratando da mais pura filosofia popular: “Tchê, uma coisa é fazer papel de hotel, outra é criar e dar educação pro bicho! Aí o troço fica mais complicado e papel de pai e de mãe é mais caro! Por essas e por outras, resolvi, não vender o animal, mas sim leva-lo pra uma nova família!”. Não muito convencido, mas ciente do prejuízo, o pobre infeliz saiu em disparada, mais azedo que bergamota verde, com uma única certeza: o homem, realmente, merecia o lucro alcançado. E, finalizando a história, meu tio proverbialmente professou: “Eu não queria passar a perna, mas esse fez questão!”.
Assim, podemos tirar duas lições: os gênios, sempre, devem ser reconhecidos e, a vida – embora não fosse o caso –, nos induz a tomar atitudes que, muitas vezes, não é a recomendada. De nada adianta o conhecimento se não dançarmos conforme a música. Qualquer rigidez é negativa e, a nós, cabe a firmeza e convicção de nossos princípios, pois a vida, independente de teorias, na prática, por vezes nos induz à atitudes contraditórias e, se não dançarmos conforme a música, simplesmente, não dançaremos. E, assim é a vida, assim é o meu tio, sempre genial, sempre reconhecido e sempre bailando – e alisando o bigode - conforme a vida manda.