segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Escutas telefônicas ilegais: A herança da metodologia da ditadura militar brasileira.

1. Introdução

Como podemos observar, devido aos últimos acontecimentos, o poder de polícia brasileiro vem utilizando-se cada vez mais dos famigerados “grampos” telefônicos para a “captura da sua presa”. Aproveitando o embalo da satisfação popular, por verem criminosos de maior poder aquisitivo sendo presos cinematograficamente, os responsáveis pelas ações vêm apelando ao uso de meios um tanto quanto indevidos.

Deixando de lado o direito à liberdade individual, ignorando o espaço reservado para a privacidade de cada um e também deixando de lado a dignidade da pessoa humana, os responsáveis pelo poder de polícia abusam de métodos que ferem esses princípios - e tudo em busca da sua “efetividade” para o desfecho da investigação.

A busca inescrupulosa de evidências, além da maciça aprovação popular nas recentes ações, vem colocando em evidência o uso ou não uso de escutas ou métodos que ferem o direito mais íntimo de qualquer pessoa.

Seria esse desrespeito aos direitos, herança da ditadura pré-existente à nossa democracia, visto que a maior culpada desse fato deriva dessa época? Seria a busca pela efetividade do contingente militar o culpado por esses métodos? Questões pertinentes, que serão respondidas no desenrolar do texto.

2. Linha do tempo

Em 1927, o então presidente Washington Luís, cria o Conselho de Defesa Nacional, cujo objetivo era a captação de informações estratégicas. Para poupar o executivo dessa função penosa, o então presidente do “coronelismo” criou esse braço no governo para o descobrimento de informações pertinentes à determinadas investigações.

A realidade social de 1927 era fortemente ligada à currais eleitorais, às famosas fraudes eleitorais, o voto de cabresto e ao revezamento do criador de café, com o pecuarista produtor de leite no poder (famosa política café-com-leite). Ou seja, essa ramificação governamental, foi criada com um objetivo final, onde os meios inobservavam características básicas de Direito previstas hoje em nossa legislação, como o Direito individual. Apesar dessa política já estar em decadência, ainda era presente a falta de ética e decoro entre os políticos.

Em 1946, após o final da Segunda Guerra, quando Eurico Gaspar Dutra tomou posse como principal governante do Brasil, cria-se o Serviço Federal de Informações e Contra-Informações - SFICI, vinculado à estrutura do Conselho de Segurança Nacional. Essa nova denominação não muda a metodologia do serviço na busca pelo fim último – as evidências criminais.

Como podemos observar nas diretrizes da Constituição Federal promulgada no mesmo ano, ainda não eram observados direitos básicos individuais e assim sendo, esse serviço não prezava o respeito à privacidade do indivíduo.

Com a Constituição Federal de 1946 ainda em vigor, os militares chegam ao poder e consolidam a sua ditadura. Com o advento da ditadura militar uma nova nomenclatura sucede o então o Serviço Federal de Informações e Contra-Informações. O Serviço Nacional de Informações (SNI) sucede o SFICI, porém não muda a metodologia e inobservância a princípios e diretrizes básicos. Como foi de praxe durante a ditadura militar, ocorreu não só a inobservância, mas também um forte desrespeito aos direitos e garantias individuais, com uma forte e inconseqüente política de solução de crimes e problemas sócio-políticos.

Durante o regime militar o Serviço Nacional de Informações, foi o responsável por colocar freios à atividades como a censura, a investigação de dissidentes políticos, de “baderneiros” e movimentos sociais diversos. Essas tarefas de conter esses tantos “problemas” – como era dito na época – vai contra os princípios de um serviço de inteligência democrático e ferindo diretamente o que dispões o Art. 5º da nossa atual constituição.

Para ter uma básica noção do poder de influência do SNI, dois de seus líderes, tornaram-se Presidentes da República, em anos subseqüentes ao seu comando no Serviço.

3. O vácuo entre o militarismo e a atual ABIN

Em 1990, após a queda da ditadura militar é extinto o então Serviço Nacional de Informação e o serviço de captura de informações fica por conta de secretários e sub-secretários da antiga Casa Militar, sob a coordenação de um agente do poder de polícia.

Nesse meio tempo em que a Casa Militar era a responsável pela busca de informações, grande parte do quadro de funcionários do SNI foi demitida do serviço público, porém a base foi mantida. Mentores e líderes foram mantidos no poder, assim mantendo também os ideais e os antigos procedimentos adotados pelo braço do governo ditatorial.

Embora o tempo, a nova corrente de pensamentos e a promulgação de uma constituição axioinspirada com direitos e garantias individuais, devessem extinguir possíveis elos entre o errôneo regime ditatorial e o atual e vigente democrático, não foi o que aconteceu. Os métodos investigativos continuaram o mesmo e a inobservância de escrúpulos também.

4. Ligações entre SNI e a ABIN

Em 1999, o então presidente reeleito Fernando Henrique Cardoso cria a Agência Brasileira de Inteligência, tirando então da antiga Casa Militar o poder de captura de informações e dando essa incumbência para essa nova agência.

O primeiro diretor-geral responsável pela Agência recém criada foi o coronel Ariel Rocha de Cunto, deixando clara que a ligação entre a nova agência e o militarismo passado continuava viva.

A ligação entre a ABIN e o SNI deveria ser restrita às mesmas instalações, porém a manutenção do quadro de funcionários durante os anos em que o serviço ficou por conta do executivo, trouxe a mesma ideologia e pragmática à Agência, colocando-a como um prosseguimento do SNI.

Com seguidos diretores-gerais possuindo fortes ligações com o serviço da época militar e com a metodologia e ideologia sendo repassada para as novas gerações, ficaram intocáveis os cernes da agência.

5. A intervenção do Poder Executivo nos “grampos ilegais”

Embalando-se na grande sede de poder do atual Ministro da Justiça Tarso Genro, a ABIN por intermédio dos “arapongas” afrontou a nossa brilhantemente redigida Carta Magna e popularizou os “grampos telefônicos”, fazendo a essencial autorização judicial ser mero detalhe no processo investigatório. Utilizou-se da nossa imprensa sensacionalista com o uso de “externalidades” e pompas de “megaoperações” da Polícia Federal, para dar ênfase às ações, e soube-se através de depoimentos de policiais de carreira que o nosso Goebbels bigodudo, o ministro Tarso Genro, tinha acessos paralelos à grampos – legais e ilegais – ignorando a nossa lei prevista na nossa “Bill of Rights” do Artigo 5º e outras legislações.

Com essa atuação do nosso Ministro Justiceiro e sensacionalista, unindo-se ao contingente militar sobrevivente da ditadura que comanda a nossa Agência, forma-se então o ciclo impertinente e incabido ao nosso estado de Direito. Embora seja avesso à matérias jornalísticas – por na maioria das vezes tratar assuntos com forte parcialidade – parafraseio a revista “VEJA”: estamos em um estado de polícia. Perdemos nossa liberdade individual e tivemos o nosso sistema processual de provas violado, tudo pela busca da incriminação de potenciais criminosos.

O Direito, bem como seus operadores, devem buscar incessantemente a justiça e o bem-comum, porém observando certos preceitos e a nossa legislação e carta de Direitos. No meu modo de ver, a justiça deve ser buscada sem injustiças, pois o fim último reflete diretamente os meios utilizados para a sua busca. Em um mundo relativista, onde “os fins justificam os meios”, devemos ter um raciocínio lógico e axioinspirado, percebendo que cada atitude tomada reflete na legitimação e configuração de êxito do fim que buscamos, principalmente em se tratando de Direito e busca pelo justo.

6. Conflito de Direitos: Incriminação x Garantia de Direitos Individuais

Como argumento, usam-se os inimigos do atual estado democrático, que deve haver uma proporcionalidade para a aceitação desse tipo de prova - tida como ilegal – no curso do processo. Como já mencionado anteriormente, na busca da justiça como fim último, não deve ocorrer uma injustiça no meio, como pena de ter o fim último tido como justo, ilegítimo e sendo essa justiça tanto desejada, como sendo “injusta”. Injusta por ir contra o nosso sistema democrático e judiciário, desrespeitando o disposto na Carta Magna de 1988 e leis posteriores, também violando a liberdade e a dignidade da pessoa humana, deixando a individualidade do cidadão exposta a terceiros indesejados e quem sabe a uma possível exposição nessa mídia sensacionalista que temos em nosso país.

Outro ponto crucial do assunto abordado é que não há o que pesar, pois se deve utilizar o princípio da proporcionalidade quando há choques de Direito e o que há é o desrespeito a um Direito e a legislações mundiais, como o descrito na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Há uma busca, amparada pela ignorância do povo menos esclarecido, que embasado na crença de que quando os “ricos” são presos está ocorrendo à justiça, que para prender o culpado vale de tudo. Um erro não justifica o outro e um desrespeito a um Direito não justifica uma dita “justiça”.

7. Conclusão

Diante do exposto, podemos concluir que com a forte influência da nossa absurda ditadura – pelo quadro de funcionários da ABIN - e a busca incessante por “confetes” do nosso Ministro Justiceiro, vem formando um “exército araponga”, que desrespeita Direitos previstos em legislação nacional e internacional.

Uma “justiça” que nos bastidores tem uma exacerbada injustiça, violando a liberdade e a individualidade do cidadão não pode ser justa. Deve-se observar o previsto no Direito positivo, mas jamais esquecendo de preceitos fundamentais, axiológicos e filosóficos para evitarmos desastres jurídicos e populares.

Lembrando que, em qualquer outro lugar do mundo, onde configurando envolvimento de Ministros do Estado em afrontas à Constituição Federal, o senhor em questão estaria exonerado e fora do poder Executivo por falta de ética e afronta ao estado de Direito, enquanto no nosso país o atual presidente demonstra a seqüência do descaso e, fingindo estar alienado ao que está ocorrendo, esquece-se de detalhes e deixa o figurão continuar a exercer o cargo. Seria por medo do que as possíveis escutas vieram a revelar? Ou seria simplesmente por ser partidário do nosso presidente? São questões que nunca serão reveladas e que retiram a credibilidade do nosso governo federal.