sábado, 1 de novembro de 2008

Ética, Cristianismo e o Direito: a ligação que organiza a nossa sociedade.

Por Arthur Borges Lacerda

Considerações iniciais:


Considerando, mais especificamente as relações da ética com o cristianismo, podemos perceber o quão importante foi o papel dessa ligação para a formação do mundo ocidental. Uma simples reflexão sociológica transparece escancaradamente, como essa ética está presente e entranhada nos costumes da nossa atual sociedade, costumes esses passados por gerações e que apesar das inúmeras e inúteis tentativas de desvinculá-los da sociedade, estão sempre presentes.
Grandes e respeitados filósofos, como Immanuel Kant e Georg Hegel, até mesmo filósofos do Direito, como Hans Kelsen, tentaram em vão sobrepor os valores da ética e moral cristã, com idéias mais “modernas”, mas, como se sabe cada vez mais o “modernismo” que vivemos hoje em dia nos leva a um grande e infundado relativismo, em uma área onde não há espaço para idéias axioaspiradas.
As atuais idéias, advindas do Iluminismo francês (Revolução Francesa), querem na tentativa inépcia de substituir os antigos pensadores da física e matemática por novas concepções, conseguidas com a tecnologia de que dispomos, desmerecer não só a física, mas também a metafísica. Evoluir em aspectos que antes não tínhamos condições de trabalhar adequadamente, ou com novas descobertas, é um ciclo natural e essencial para o avanço da humanidade, mas mudar valores intrínsecos e insubstituíveis presentes na metafísica, por simples “evolução” não convém com a aplicação prática em nossa sociedade. Evoluir, não é mudar tudo, mas sim melhorar o que não está completamente correto e mudar o que está errado, sem alterações em áreas intocáveis.


Ética cristã: a ética pessoal.


O cristianismo foi a mais difundida e a mais importante doutrina religiosa, onde formou-se todo o embasamento do atual mundo ocidental e criou cernes importantíssimos para a formação moral da sociedade.
A ética cristã que perdura há tempos no nosso cotidiano, tem sua base na “pessoa”, que é um termo que indica o ser humano político, o ser humano num convívio em sociedade e também a relação do ser humano consigo mesmo, com a sua consciência e também com o mundo, meio ambiente e outros afins.
Ela apóia-se no conceito filosófico da dignidade da pessoa humana, em um ser e seus vários graus de relação, exteriorizada ou não, ainda que algumas relações ocorram no contexto metafísico. Ou seja, a ética cristã tem seu centro de convicções no ponto de que a realização e felicidade individual, a dignidade da pessoa humana de alguém, passa pela dignidade de outro e na sua relação com Deus. Os filósofos escolásticos do cristianismo remontaram princípios presentes na tradição filosófica, com Santo Agostinho (Platão) e São Tomás de Aquino (ética aristotélica) sendo analisada e complementada conforme a realidade cristã.
Em uma vida repleta de escolhas e ações, que precisamos a cada instante utilizar o nosso direito de livre arbítrio, conferido pelo Senhor, é importantíssimo que tenhamos fortes noções axiológicas e de dignidade da pessoa humana, para que nossos atos tenham a bênção da virtude.
A virtude na concepção filosófico-religiosa, advém da palavra grega areté, que indica o que as pessoas justas e retas devem perseguir para ter a sua realização plena, ou seja, prerrogativas e qualidades que a pessoa se julga possuidora em virtude das quais o bem é realizado. A virtude é a prerrogativa do espírito humano, é a qual nos possibilita alcançar a felicidade plena através da dignidade da pessoa humana. Devemos, pelo bem comum, praticar a virtude e evitar os vícios.
Podemos observar as prerrogativas das virtudes cristãs, na carta do apóstolo Paulo aos colossenses, onde ele cita as principais: Misericórdia, do grego oiktirmós, onde afirma, “piedade, compaixão pelas adversidades dos outros”, onde lê-se que “Deus é o pai das misericórdias” (2Co 1.3) e que “os homens devem sentir e mostrar compaixão uns pelos outros” (Fp 2.1; Cl 3.12); Benignidade, do grego chrestotes, palavra traduzida por “ternura”, “gentileza” e “bondade”, que significa tratar os outros como Deus nos tratou, seguindo alguns princípios bíblicos. Humildade, do grego tapeinós, onde todo o ser humano deve ser humilde em espírito; Mansidão, do grego praotes. É uma virtude bastante abrangente, onde não só consiste no comportamento exterior da pessoa, mas principalmente com o próximo. É uma disposição da alma, com exercícios primeiramente a Deus. É o temperamento do espírito em que aceitamos seus procedimentos conosco, está relacionado muito de perto com a humildade e resulta diretamente dela. O coração humilde também é manso. A mansidão está no recebimento da palavra e na apresentação da razão da nossa esperança (Ef 4.2; Cl 3.12, Mt 11.19, 2 Co 10.1; Tt 3.2; Cl 3.12; I Tm 6.11, Tg 1.21, I Pe 3.15); Longanimidade, formado por makros, “longo”, e thumos, “temperamento”, expressa uma atitude e paciência com as pessoas e em determinadas circunstâncias (Ef 4.2; Cl 3.12; 2 Co 6.6, Cl 1.11; Hb 6.12-15); Amor, caridade, do grego ágape, fundamenta-se na passagem de Mt 5.43-48, onde fica claro que o amor humano deve ser semelhante ao amor de Deus, ou seja, dar amor ao próximo, incondicionalmente e independente do que receber dele. Ficando assim claro, que contra essas virtudes listadas por Paulo, na carta, não há lei, ou nenhum tipo de contraditório para ser utilizado.
Desta forma, já vista anteriormente por nós, a ética cristã baseia-se na relação da “pessoa” com Deus, além do conceito metafísico da dignidade da pessoa humana, que passa por atitudes da pessoa consigo mesmo, com o mundo e com outrem, passando também pela concretização das virtudes. Muitos dos princípios da nossa sociedade, diria até que quase todos, advêm desse dogma apresentado pelo cristianismo.
A ética pessoal cristã nos leva à responsabilidade individual e a uma reflexão quanto ao tipo de pessoa que desejamos e precisamos ser. Leva a pensarmos a nossa relação com Deus e como ele reagiria com nossas ações. Essa ética presente na bíblia em todas as suas narrativas é um chamado à autoconsciência humana, um chamado à reflexão do valor das nossas escolhas e ações, que consequentemente irão gerar um vício ou uma virtude.
Sendo assim, esses chamados à auto-reflexão de uma pessoa, de uma prévia escala de valores, pela busca incessante da virtude e pela noção de vida em sociedade e de dignidade da pessoa humana, nos faz um indivíduo melhor e consequentemente teremos uma sociedade muito mais justa e agradável de viver.


A ética cristã e o Direito.


Como já temos noção, o Direito é fruto de costumes, valores ético-morais e da realidade sociológica de uma sociedade. Essa análise social que o Direito utiliza, resulta em uma técnica dogmática que possibilita uma concreta aplicabilidade no contexto em que se é vivido.
O Direito no mundo ocidental judaico-cristão, por ter uma sociedade com costumes e valores fortemente influenciados pela cultura religiosa, deixa transparecer em diversos aspectos a grande influência da ética dessa doutrina. De preceitos fundamentais constitucionais, passando por diversos aspectos de direitos privados e públicos, fica clara e notável a presença da ética cristã em sua legislação.
Já no preâmbulo da Constituição da República Federativa do Brasil, notamos uma forte influencia do cristianismo da sociedade brasileira, em uma citação onde se transcreve “... sob a proteção de Deus...”, evidenciando assim a influência do cristianismo no povo brasileiro.
Pode-se observar também, preceitos éticos cristãos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada em 1948 pela ONU, onde se observa direitos fundamentais e claramente reafirma a dignidade da pessoa humana em variados aspectos, como base da liberdade, da justiça e da paz, evitando a descaracterização dessa personalidade, conforme remontam tempos sombrios da humanidade.
Notamos, com os exemplos supracitados, que o cristianismo exerce uma forte influência na sociedade ocidental, porém, essa influência a meu ver deve ser limitada. A igreja deve evitar uma forte participação no Estado, pois há interesses que são distintos entre eles, são interesses que o Estado, como defensor dos direitos da sociedade, deve decidir qual o melhor caminho para atingir-se o bem comum. A doutrina religiosa e seus dogmas, devem estritamente formar cidadãos para tentar obter uma sociedade melhor, tendo a sua influência no Estado, apenas indiretamente, como reflexo de uma ética moral do povo em questão, mas jamais tentando atuar diretamente em decisões que não cabem a ela, mas sim aos encarregados de proteger os direitos e interesses do povo.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Escutas telefônicas ilegais: A herança da metodologia da ditadura militar brasileira.

1. Introdução

Como podemos observar, devido aos últimos acontecimentos, o poder de polícia brasileiro vem utilizando-se cada vez mais dos famigerados “grampos” telefônicos para a “captura da sua presa”. Aproveitando o embalo da satisfação popular, por verem criminosos de maior poder aquisitivo sendo presos cinematograficamente, os responsáveis pelas ações vêm apelando ao uso de meios um tanto quanto indevidos.

Deixando de lado o direito à liberdade individual, ignorando o espaço reservado para a privacidade de cada um e também deixando de lado a dignidade da pessoa humana, os responsáveis pelo poder de polícia abusam de métodos que ferem esses princípios - e tudo em busca da sua “efetividade” para o desfecho da investigação.

A busca inescrupulosa de evidências, além da maciça aprovação popular nas recentes ações, vem colocando em evidência o uso ou não uso de escutas ou métodos que ferem o direito mais íntimo de qualquer pessoa.

Seria esse desrespeito aos direitos, herança da ditadura pré-existente à nossa democracia, visto que a maior culpada desse fato deriva dessa época? Seria a busca pela efetividade do contingente militar o culpado por esses métodos? Questões pertinentes, que serão respondidas no desenrolar do texto.

2. Linha do tempo

Em 1927, o então presidente Washington Luís, cria o Conselho de Defesa Nacional, cujo objetivo era a captação de informações estratégicas. Para poupar o executivo dessa função penosa, o então presidente do “coronelismo” criou esse braço no governo para o descobrimento de informações pertinentes à determinadas investigações.

A realidade social de 1927 era fortemente ligada à currais eleitorais, às famosas fraudes eleitorais, o voto de cabresto e ao revezamento do criador de café, com o pecuarista produtor de leite no poder (famosa política café-com-leite). Ou seja, essa ramificação governamental, foi criada com um objetivo final, onde os meios inobservavam características básicas de Direito previstas hoje em nossa legislação, como o Direito individual. Apesar dessa política já estar em decadência, ainda era presente a falta de ética e decoro entre os políticos.

Em 1946, após o final da Segunda Guerra, quando Eurico Gaspar Dutra tomou posse como principal governante do Brasil, cria-se o Serviço Federal de Informações e Contra-Informações - SFICI, vinculado à estrutura do Conselho de Segurança Nacional. Essa nova denominação não muda a metodologia do serviço na busca pelo fim último – as evidências criminais.

Como podemos observar nas diretrizes da Constituição Federal promulgada no mesmo ano, ainda não eram observados direitos básicos individuais e assim sendo, esse serviço não prezava o respeito à privacidade do indivíduo.

Com a Constituição Federal de 1946 ainda em vigor, os militares chegam ao poder e consolidam a sua ditadura. Com o advento da ditadura militar uma nova nomenclatura sucede o então o Serviço Federal de Informações e Contra-Informações. O Serviço Nacional de Informações (SNI) sucede o SFICI, porém não muda a metodologia e inobservância a princípios e diretrizes básicos. Como foi de praxe durante a ditadura militar, ocorreu não só a inobservância, mas também um forte desrespeito aos direitos e garantias individuais, com uma forte e inconseqüente política de solução de crimes e problemas sócio-políticos.

Durante o regime militar o Serviço Nacional de Informações, foi o responsável por colocar freios à atividades como a censura, a investigação de dissidentes políticos, de “baderneiros” e movimentos sociais diversos. Essas tarefas de conter esses tantos “problemas” – como era dito na época – vai contra os princípios de um serviço de inteligência democrático e ferindo diretamente o que dispões o Art. 5º da nossa atual constituição.

Para ter uma básica noção do poder de influência do SNI, dois de seus líderes, tornaram-se Presidentes da República, em anos subseqüentes ao seu comando no Serviço.

3. O vácuo entre o militarismo e a atual ABIN

Em 1990, após a queda da ditadura militar é extinto o então Serviço Nacional de Informação e o serviço de captura de informações fica por conta de secretários e sub-secretários da antiga Casa Militar, sob a coordenação de um agente do poder de polícia.

Nesse meio tempo em que a Casa Militar era a responsável pela busca de informações, grande parte do quadro de funcionários do SNI foi demitida do serviço público, porém a base foi mantida. Mentores e líderes foram mantidos no poder, assim mantendo também os ideais e os antigos procedimentos adotados pelo braço do governo ditatorial.

Embora o tempo, a nova corrente de pensamentos e a promulgação de uma constituição axioinspirada com direitos e garantias individuais, devessem extinguir possíveis elos entre o errôneo regime ditatorial e o atual e vigente democrático, não foi o que aconteceu. Os métodos investigativos continuaram o mesmo e a inobservância de escrúpulos também.

4. Ligações entre SNI e a ABIN

Em 1999, o então presidente reeleito Fernando Henrique Cardoso cria a Agência Brasileira de Inteligência, tirando então da antiga Casa Militar o poder de captura de informações e dando essa incumbência para essa nova agência.

O primeiro diretor-geral responsável pela Agência recém criada foi o coronel Ariel Rocha de Cunto, deixando clara que a ligação entre a nova agência e o militarismo passado continuava viva.

A ligação entre a ABIN e o SNI deveria ser restrita às mesmas instalações, porém a manutenção do quadro de funcionários durante os anos em que o serviço ficou por conta do executivo, trouxe a mesma ideologia e pragmática à Agência, colocando-a como um prosseguimento do SNI.

Com seguidos diretores-gerais possuindo fortes ligações com o serviço da época militar e com a metodologia e ideologia sendo repassada para as novas gerações, ficaram intocáveis os cernes da agência.

5. A intervenção do Poder Executivo nos “grampos ilegais”

Embalando-se na grande sede de poder do atual Ministro da Justiça Tarso Genro, a ABIN por intermédio dos “arapongas” afrontou a nossa brilhantemente redigida Carta Magna e popularizou os “grampos telefônicos”, fazendo a essencial autorização judicial ser mero detalhe no processo investigatório. Utilizou-se da nossa imprensa sensacionalista com o uso de “externalidades” e pompas de “megaoperações” da Polícia Federal, para dar ênfase às ações, e soube-se através de depoimentos de policiais de carreira que o nosso Goebbels bigodudo, o ministro Tarso Genro, tinha acessos paralelos à grampos – legais e ilegais – ignorando a nossa lei prevista na nossa “Bill of Rights” do Artigo 5º e outras legislações.

Com essa atuação do nosso Ministro Justiceiro e sensacionalista, unindo-se ao contingente militar sobrevivente da ditadura que comanda a nossa Agência, forma-se então o ciclo impertinente e incabido ao nosso estado de Direito. Embora seja avesso à matérias jornalísticas – por na maioria das vezes tratar assuntos com forte parcialidade – parafraseio a revista “VEJA”: estamos em um estado de polícia. Perdemos nossa liberdade individual e tivemos o nosso sistema processual de provas violado, tudo pela busca da incriminação de potenciais criminosos.

O Direito, bem como seus operadores, devem buscar incessantemente a justiça e o bem-comum, porém observando certos preceitos e a nossa legislação e carta de Direitos. No meu modo de ver, a justiça deve ser buscada sem injustiças, pois o fim último reflete diretamente os meios utilizados para a sua busca. Em um mundo relativista, onde “os fins justificam os meios”, devemos ter um raciocínio lógico e axioinspirado, percebendo que cada atitude tomada reflete na legitimação e configuração de êxito do fim que buscamos, principalmente em se tratando de Direito e busca pelo justo.

6. Conflito de Direitos: Incriminação x Garantia de Direitos Individuais

Como argumento, usam-se os inimigos do atual estado democrático, que deve haver uma proporcionalidade para a aceitação desse tipo de prova - tida como ilegal – no curso do processo. Como já mencionado anteriormente, na busca da justiça como fim último, não deve ocorrer uma injustiça no meio, como pena de ter o fim último tido como justo, ilegítimo e sendo essa justiça tanto desejada, como sendo “injusta”. Injusta por ir contra o nosso sistema democrático e judiciário, desrespeitando o disposto na Carta Magna de 1988 e leis posteriores, também violando a liberdade e a dignidade da pessoa humana, deixando a individualidade do cidadão exposta a terceiros indesejados e quem sabe a uma possível exposição nessa mídia sensacionalista que temos em nosso país.

Outro ponto crucial do assunto abordado é que não há o que pesar, pois se deve utilizar o princípio da proporcionalidade quando há choques de Direito e o que há é o desrespeito a um Direito e a legislações mundiais, como o descrito na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Há uma busca, amparada pela ignorância do povo menos esclarecido, que embasado na crença de que quando os “ricos” são presos está ocorrendo à justiça, que para prender o culpado vale de tudo. Um erro não justifica o outro e um desrespeito a um Direito não justifica uma dita “justiça”.

7. Conclusão

Diante do exposto, podemos concluir que com a forte influência da nossa absurda ditadura – pelo quadro de funcionários da ABIN - e a busca incessante por “confetes” do nosso Ministro Justiceiro, vem formando um “exército araponga”, que desrespeita Direitos previstos em legislação nacional e internacional.

Uma “justiça” que nos bastidores tem uma exacerbada injustiça, violando a liberdade e a individualidade do cidadão não pode ser justa. Deve-se observar o previsto no Direito positivo, mas jamais esquecendo de preceitos fundamentais, axiológicos e filosóficos para evitarmos desastres jurídicos e populares.

Lembrando que, em qualquer outro lugar do mundo, onde configurando envolvimento de Ministros do Estado em afrontas à Constituição Federal, o senhor em questão estaria exonerado e fora do poder Executivo por falta de ética e afronta ao estado de Direito, enquanto no nosso país o atual presidente demonstra a seqüência do descaso e, fingindo estar alienado ao que está ocorrendo, esquece-se de detalhes e deixa o figurão continuar a exercer o cargo. Seria por medo do que as possíveis escutas vieram a revelar? Ou seria simplesmente por ser partidário do nosso presidente? São questões que nunca serão reveladas e que retiram a credibilidade do nosso governo federal.